A TRÍADE TRÁGICA


           Se há questão eternamente atual é a do sentido da vida. Do que vemos hoje, daquilo que acontece ao nosso redor, conseguiremos dar uma resposta satisfatória à questão? Não, evidentemente. Vivemos o suprassumo da imbecilização em todos os campos aos quais é possível alçar o tanto de humanidade que carregamos conosco, humanidade essa constantemente relegada ao plano das consequências, objetualizada em sua essência, suprimida em suas potencialidades. Na política, na ética, na moralidade, na cultura, na história, nas relações sociais – vivemos num circo romano, com imperadores psicopatas, leões famintos e aplausos de uma plateia oligofrênica e profundamente neurótica.
            Há quem procure respostas à questão do sentido da vida no futuro, no porvir, no devir, o que, por fim, gera apenas a ansiedade e a consolidação de nossa situação trágica: não há respostas no futuro – o futuro é um produto abstrato, filho das possibilidades estatísticas geradas por leituras presentes do passado. Mas o poder de manobra das massas acéfalas jaz no domínio da técnica retórica de se fazer, com as promessas incertas de um futuro escorregadio, o presente.
            A situação trágica do ser humano, segundo o criador da LOGOTERAPIA Viktor Frankl, é ter de, numa existência finita, dar um sentido a uma vida que incorpore a tríade de DOR, CULPA e MORTE. Pensemos, agora, de que forma a humanidade vem incorporando tais elementos à própria existência. (1) A DOR é atualmente inaceitável: tanto alma quanto corpo permanecem em constante estado de anestesia; o entorpecimento do espírito parece ser o remédio dos males da existência; a objetualização da felicidade, e consequente transformação em motivo de culto desenfreado, vem acompanhada de um progressivo aumento da demanda por medicações sorrisogênicas e por orientação psicoterapêutica; o hedonismo fútil e volátil vem em pílulas, em garrafas e em programas de televisão. (2) A CULPA é sempre dos outros: do meio em que o vivente nasceu, do desamor dos pais, da cor da pele dos bisavós, do apelido na escola; a culpa é da sociedade vilã, que segrega, que divide, que afasta, que escolhe os melhores; a culpa é da desigualdade; o cadáver da vítima com um tiro na cabeça causou o puxão no gatilho, o bandido não comandava o próprio dedo. Há uma forma assustadora de determinismo que, paradoxalmente, parece dar conforto aos indivíduos: as explicações em cadeias causais infinitas, rumo a um passado distante, em que a responsabilidade pelas escolhas individuais se dilui de tal maneira que, irremediavelmente, teremos de culpar Adão e Eva por todas as mazelas da atualidade. (3) A MORTE é um obstáculo: tudo na natureza nasce e morre, porém, o homem moderno não aceita esse desígnio – quer a eternidade do próprio corpo e do de seus pares próximos. A eternidade da alma não mais se sustenta como promessa de uma outra-vida: perdeu, conjuntamente à fé, substância. Progressivamente, o sujeito vem perdendo seu espaço enquanto criador do mundo, deixando-se conceber como criatura apenas, vítima de um inconsciente coletivo comandante de tudo, condicionante a todos: vida sem indivíduo, sem o si-mesmo, o único ente capaz de explicar a própria morte vindoura não em termos causais, mas em termos existenciais.
            Não é de se estranhar: logoterapia e Viktor Frankl são nomes sussurrados a grandes distâncias nos cursos de psicologia, e estranhos aos cursos de medicina. Com a invasão do pensamento social-esquerdista nas universidades brasileiras, a logoterapia foi varrida à ‘fossa das grandes ideias’, empreitada brasileira cujos esforços se renovam a cada geração de estudantes. Alguns são os motivos evidentes: (a) a logoterapia exige, como premissa básica, um conceito de liberdade enquanto responsabilidade individual pelas próprias escolhas; (b) a questão do sentido da vida sofre uma inversão fundamental: não é o sujeito que pergunta ao mundo e aguarda uma resposta, mas é o mundo que pergunta ao sujeito – a autonomia e a autotranscendência se tornam fatores necessários; (c) não há um sentido de vida coletivo: a própria ideia de coletividade tem de ser reestruturada, assim como a de igualdade – cada indivíduo, com a permissão da redundância, é único; (d) os fatores condicionantes (sociais, culturais, biológicos) de forma alguma anulam qualquer sentido de liberdade e, em consequência, de responsabilidade.
            Com o marxismo entranhado nas fuças do meio acadêmico desse país, não me causa surpresa conversar com psicólogos que desconhecem Viktor Frankl, ou que consideram a logoterapia algo próximo a uma seita; ler com certa frequência que Freud, Jung e Adler, e seus desdobramentos, esgotaram as possibilidades de análise do ser humano; que o existencialismo é uma doença de ateus, e que mesmo Sartre, ao final da vida, teve de abraçar Marx e o marxismo, como que se Sartre fosse o paradigma de alguma coisa.
            A logoterapia, muito além de uma técnica psicoterapêutica, é uma resposta humana ao desastre que foi o apogeu de uma visão doentia e desumanizante de vida, ainda enraizada no pensamento de mentes sedentas por encontrar, em suas próprias vidas, um sentido.
            [A obra EM BUSCA DE SENTIDO – UM PSICÓLOGO NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO, de Viktor Frankl, está disponível para download gratuito na internet, assim como a belíssima e divertidíssima resposta de Olavo de Carvalho ao Sr. Aleksandr Dugin (AGAINST RIGHT-WING BOLSHEVISM OR LEFTIST TRADITIONALISM), em que o filósofo esboça, com ironia, a evolução do pensamento ocidental quanto à questão dos condicionantes apriorísticos – ‘que, às nossas costas, limitariam e moldariam a percepção que temos do mundo’.]

Fonte:
www.blogger.com/blogger.g?blogID=7273762766413328235#editor/target=post;postID=6547160631023601563

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